“Ah lá, ele toca em banda”

Lucas Mendes Gabriel
3 min readDec 13, 2017

Troca as cordas da guitarra. Do baixo. Do violão. As peles da bateria. Compra baqueta. Compra pele. Compra palheta. Alinha o baixo, as guitarras e o violão. Compra amplificador. É fraco, tem que comprar outro. Dá problema, tem que arrumar. Compra pedal. Dá problema, tem que arrumar. Ou comprar outro. Mas ok.

Aí ensaia. Ensaia pra caralho. Ensaia 3 ou 4 vezes na semana. Ensaia de fim de semana. Galera tá em churrasco e você chega depois porque tem ensaio. Quem tem namorada/namorado se fode mais ainda (se ela/ele não for compreensívo(a)). Faz música. Ensaia a mesma música. 100 vezes. 200 vezes. Até ficar bom. Vai ficar bom pra caralho. Mas a gente vai errar do mesmo jeito ao vivo.
Mas ok.

Arruma show. Confirma se ninguém tem que trabalhar ou se tem aniversário pra ir ou se tem dentista marcado praquele dia. Se tiver, desmarca. Show é a melhor coisa pra banda. Confirma os shows. Confirma 10 shows. 20 shows. As vezes só dá pra confirmar 1 e olhe lá. Vai ter cachê? As vezes sim, as vezes não. Vai rolar uma ceva? As vezes sim, as vezes não. Vai ter público? As vezes sim, as vezes não. Foda-se. O que importa é tocar. “Faço o mesmo show pra uma pessoa ou pra mil pessoas” disse um amigo, certa vez.
Mas ok.

Chega no rolê. Show tá marcado pras 10. Vamo tocar a 1 da manhã. Isso é de praxe. Se reclamar, cê que tá sendo idiota. A galera já tá ficando muito louca. Vai no banheiro. Cheiro de urina ou naftalina. Torce pra ser naftalina. A culpa não é do dono do bar. Muita gente mijando ao mesmo tempo. Bate a ansiedade pra tocar. Cê toma uma cerveja. Toma duas. Toma dez. “Eita, to ficando bêbado”. Cê fica mais nervoso agora, tá preocupado, como que se toca chapado desse jeito? Vai ter que tomar outra cerveja pra passar o nervoso. No fim das contas dá tudo certo. Cês erram justo o som que mais ensaiaram, mas ninguém percebe. Aquele que cês achavam que ia dar merda é o melhor da noite. O amplificador dá pau no meio do show. O pedal para de funcionar. Estoura a corda. Fura a pele. Quebra a baqueta. Cai a palheta no meio do solo. Foda-se. Deu tudo certo.
Mas ok.

Junta dinheiro pra gravar. No estúdio é 10 mil reais pra gravar. Quem que é músico e tem 10 mil reais? Nunca entendi isso. Vá pro inferno, a gente mesmo grava. Grava em casa. Grava do nosso jeito. No fim das contas fica bom. “Mas no estúdio fica melhor”. Claro que fica, custa 10 mil reais pra gravar! Em casa custou só 1 semana sem dormir. Dormir é de graça. Lança na internet. Faz vaquinha pra pagar divulgação. Faz vaquinha pra fazer tiragem. Leva nos shows pra distribuir. 90% de quem pega a cópia, perde antes de chegar em casa. Dá nada, o foco é nos 10% que guardam. Na internet, a galera da França amou as músicas. A galera do Canadá tá mandando mensagem — “vem tocar aqui!”. A gente mal tem dinheiro pra tocar aqui. E aqui a galera nem ouviu. O cara da selo só visualizou. O caras dos blogs de música tão cobrindo as tretas das bandas dos anos 90 que ninguém mais ouve. Ninguém liga muito não. Dá nada, um dia eles ouvem. Tem que ter paciência. Músico afobado morde a própria testa, entra em desespero, pega pilha, desiste. Cada coisa no seu tempo.

“MANO, VALE A PENA TODO ESSE SOFRIMENTO?”

Vale, cara.
Vale pra caralho.

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